Perpassando fronteiras entre internacionalização, extensão e aprendizagem solidária | Crossing borders between internationization, contextualized education and solidary learning
DOI: 10.5281/zenodo.8225303| PDF | Educazione Aperta 14/2023
This article shares the experience of a course and an extension project proposed by a Master's program at the State University of Bahia (UNEB), Brazil, carried out through a research and exchange program between Brazil and Italy. In continuous interaction of the internationalization, extension and contextualized education dimensions, the course and the project are developed with the participation of UNEB students, exchange students from Italy and people who live and/or operate in marginal social contexts, with women in prostitution, adolescents in conflict with the law, minors victims of mistreatment and abuse, people with psychological problems, elderly people in conditions of abandonment and exceptional people. The two actions provide interaction and protagonism of those involved in a continuous alternation of theory and practice, university and community, learning and solidary service. The intention is to promote a university linked to the challenges of contemporary society, with a view to a dialogical relationship of mutual learning and co-construction of an educational process for current generations, in favor of a pro-social and planetary citizenship.
Keywords: Service-Learning, extension, intercultural dialogue, educational relationship, helping relationship.
Introdução
A teoria sem a prática vira “verbalismo”, assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade (Paulo Freire).
O presente artigo compartilha a experiência, que por muitos aspectos pode ser pensada e avaliada como um desafio, de um curso e de um projeto de extensão propostos pelo Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA, do Departamento de Ciências Humanas – DCH, Campus III, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, que se realizam, um em meio ao outro, como atividades de um projeto de pesquisa e intercâmbio entre o Brasil e a Itália (do Programa Nacional de Pós-Doutorado –PNPD, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES). As duas ações, também, integram o projeto de extensão Reflexão dos Referenciais da Educação Contextualizada, do Grupo de Pesquisa Educação Contextualizada, Cultura e Território – EDUCERE do DCH III, UNEB, em Juazeiro-BA.
A UNEB, como universidade pública, popular, que se declara inclusiva, assume desde sempre o desafio de trabalhar a extensão como uma das três colunas do tripé sobre o qual se assenta, complementarmente com o ensino e a pesquisa, reafirmando: “[...] o compromisso e a responsabilidade social com sua atuação junto a agentes sociais, entre eles profissionais de educação, com destaque para as classes excluídas historicamente e minoritárias, a exemplo dos assentados, acampados, indígenas, detentos, quilombolas, mulheres, crianças e adolescentes em situação de risco. [...] tendo como base o princípio da construção coletiva de saberes voltados para as demandas sociais emergentes” (UNEB, 2021).
Mas quando, ao pensar a formação de cidadãos que vivem, estudam e atuam no próprio contexto (o local) e, de forma crítica e construtiva, abrem mentes e corações ao mundo, uma ação extensionista prevê a contínua interação entre as dimensões da internacionalização e do diálogo intercultural, da responsabilidade social da universidade e da educação contextualizada, os desafios se multiplicam, pois aqui se busca um extrapolar do currículo e por meio da relação universidade-sociedade-universidade. Esse é um diálogo necessário e permanente, se a intenção é fazer com que a universidade esteja cada vez mais vinculada aos desafios vivenciados pela sociedade, refletindo sobre: “[...] a aproximação entre a educação contextualizada e a educação Glocal, com vistas a atender às necessidades de construção de um processo formativo das atuais gerações, por meio da educação, contribuindo assim com a possibilidade do sujeito sentir-se pertencente ao seu mundo, ao seu contexto de vida, sem perder de vista a perspectiva da mundialização em que vivemos e a condição de uma formação que desperte nesse sujeito o sentimento e a atuação em favor de uma cidadania planetária” (Reis, 2020, p. 57).
Exemplo disso é o curso de extensão em questão Relações interpessoais e dinâmicas de grupo, cujo principal desafio é o de proporcionar um contexto formativo de excelência para discentes, técnicos(as) e docentes do DCH III, UNEB, intercambistas da Universidade de Padova – UNIPD, Itália e pessoas da comunidade.
Perpassando fronteiras
O curso em questão, que propõe e contempla um projeto específico de extensão, nasce e se desenvolve como uma das atividades do projeto de pesquisa e intercâmbio Do Local ao Global. A educação contextualizada e o diálogo intercultural na proposta de internacionalização da extensão Intereurisland no PPGESA (Andrian, 2020), vinculado ao PPGESA e ao acordo bilateral (Memorandum of Understanding MoU) entre a UNEB e a UNIPD. O curso possui um eixo central, por meio do qual são vividas e atravessadas/perpassadas as fronteiras entre diferentes países, entre o local e o global, entre a universidade e a comunidade, a prática e a teoria, a aprendizagem e o serviço solidário, que se complementam numa simbiose que extrapola os muros da universidade, fazendo com que os saberes da comunidade cheguem à universidade e vice-versa.
Intereurisland[1] é o acrônimo de um programa de pesquisa e intercâmbio que nasce como pesquisa de um doutorado em Cotutela entre a UNIPD e a UNEB (Andrian, 2018b) que se desenvolve graças à contínua interação e colaboração entre instituições públicas e particulares tanto da Itália como do Brasil. Tendo como uma das principais referências os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 (UNESCO, 2017), o programa “[...] promove o desenvolvimento da cidadania pró-social, do diálogo intercultural e da paz, especialmente nas gerações mais jovens, implementando e divulgando estratégias inovadoras de internacionalização, responsabilidade social da universidade com a sua própria comunidade, participação democrática e Aprendizagem-Solidária GloCal” (Andrian, 2019).
Na figura a seguir são apresentadas as dimensões do programa, que estão constantemente em diálogo e inter-relação.
Dentro deste amplo quadro se inserem diversas atividades desenvolvidas ciclicamente a cada ano letivo, entre elas, as que estão sendo apresentadas no detalhe como a seguir.
A disciplina e o projeto de extensão – o coração da proposta
Foi uma experiência atípica, não normal. Um confronto contínuo, com uma mentalidade curiosa, interessada, crítica. Ao longo do curso, compreendi de fato o que é a aprendizagem solidária.[2]
Na região metropolitana de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, as dimensões das relações interpessoais, como componentes prioritárias da chamada “relação educativa”, ainda encontram pouco espaço nos percursos de formação acadêmica, formação continuada e/ou treinamento de profissionais que atuam tanto em contextos escolares, de educação formal (professoras/es, coordenadoras/es pedagógicas/os etc.), como em contextos extraescolares, de educação não formal (educadoras/es sociais, pedagogas/os, etc.) ou informal, onde o cuidado e a atenção, a educação e/ou reeducação, a socialização e/ou ressocialização do indivíduo são de fundamental importância. Ao refletir sobre a educação não formal no Brasil, para Rodrigues de Moraes von Simson, Brandini Park e Siero Fernandes (2007, p. 23), “é importante que a proposta de educação não-formal funcione como espaço e prática de vivência social, que estabeleça laços de afetividade entre os participantes” e, mesmo que essa proposta seja cada vez mais reconhecida, “[...] a formação dos educadores que trabalham com o ensino não-formal é um aspecto decisivo para que eles possam atuar. Essa formação nem sempre é exigida, apesar de necessária” (ivi, p. 27).
Assim, em meio a existência de diferentes linhas de pesquisa e atuação, tanto em outras regiões do Brasil como no mundo inteiro, que relatam a suma importância destas abordagens, tão necessárias na formação de profissionais que atuam em contextos educativos escolares e/ou extraescolares, se justifica a proposição da disciplina em questão.
Consoante às indicações do ponto III, art.11 do capítulo III – Da caracterização das ações de extensão, do anexo único da resolução CONSEPE n° 2.018/2019, regulamento das ações de curricularização da extensão nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da UNEB (UNEB, 2018), a disciplina Relações interpessoais e dinâmicas de grupo, se apresenta como disciplina de extensão proposta pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos e vinculada ao Núcleo de Pesquisa e Extensão – NUPE, do DCH III, UNEB.
Além das diretrizes da extensão da UNEB, as reflexões sobre a educação contextualizada (Reis, Martins) e os princípios da andragogia (Knowels) foram determinantes em planejar um curso através do qual busca-se proporcionar momentos de estudo, prática e reflexão (sobre a prática) a respeito das dinâmicas grupais, dos conceitos e das técnicas básicas da comunicação assertiva e não violenta, e da relação educativa e de ajuda.
O curso é ofertado no segundo semestre do ano letivo, disponibilizando 30 vagas para estudantes de graduação (Pedagogia e Jornalismo) e de Pós-graduação (PPGESA), técnicos e docentes do DCH III, UNEB, intercambistas italianas/os e pessoas da comunidade, das cidades de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, tendo uma carga horária completa de 45 horas, sendo que 30 horas são teóricas e 15 horas são práticas.
A parte teórica, vivenciada em sala de aula sempre de forma dinâmica e interativa, apresenta uma fundamentação teórica que se baseia principalmente:
– na Pragmática da Comunicação Humana, com o Paul Watzlawick e os demais colegas da Escola de Palo Alto, na Califórnia, que abrem o caminho para uma reflexão a respeito dos efeitos pragmáticos da comunicação humana sobre o comportamento e a respeito do fato de que a essência da comunicação reside nos processos relacionais e interrelacionais (Watzlawick, 1971).
– na Assertividade, definida pelos dois psicólogos Robert Alberti e Michael Emmons (1978) como a conduta que permite que uma pessoa aja de acordo com seus interesses mais importantes, consiga defender-se sem ansiedade, expressar comodamente sentimentos honestos ou exercer os direitos pessoais sem negar os direitos dos outros. A capacidade de autoafirmar-se sem adotar estilos comunicativos agressivos ou passivos e no pleno respeito do interlocutor.
– na relação educativa e de ajuda que, para Carl Rogers (Fontgalland, R. C.; Moreira, V., 2012) se dá na forma de uma relação na qual uma pessoa se compromete a facilitar o crescimento e a maturidade do outro que não está configurado como um sujeito a ser manipulado, mas como uma pessoa capaz de autoafirmação e autorrealização. Segundo o autor, a relação de ajuda é baseada em três condições fundamentais: a congruência, a consideração positiva incondicional e a empatia. A congruência: é a consciência do terapeuta e do educador de seus sentimentos e experiências, tais como surgem em relação ao educando, sem tentativas de negá-los ou distorcê-los. A consideração positiva incondicional: é baseada no respeito pela pessoa reconhecida como um ser único e original, em sua totalidade, com defeitos e qualidade, sem críticas ou julgamentos. A empatia: é a dimensão que mais especificamente deve conotar um relacionamento genuíno de ajuda/educação, indicando a capacidade de se colocar no lugar do outro, de perceber com sinceridade e respeitar o mundo interior, o conteúdo emocional e cognitivo do outro.
– na Comunicação Não Violenta – CNV, também conhecida como comunicação compassiva, que, segundo as palavras do seu próprio criador, é “[...] uma abordagem específica de comunicação – falar e ouvir – que nos leva a nos entregarmos de coração, ligando-nos a nós mesmo e aos outros de maneira tal que permite que nossa compaixão natural floresça” (Marshall, 2006, p. 21).
– na construção coletiva e democrática do saber e no significado e valor pedagógico, social e político das relações interpessoais. Como pode-se pensar que fundamentos teóricos desenvolvidos e aprimorados em outras épocas e em outros países tenham relevância no contexto específico da região metropolitana de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, no que diz a respeito, no caso específico desta proposta, das relações interpessoais em contextos de risco e vulnerabilidade social? Talvez seja este o maior desafio da disciplina em questão e a resposta seja exatamente a extensão que, segundo uma das diretrizes descritas pela Resolução nº 7, de 2018, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, propõe “[...] a interação dialógica da comunidade acadêmica com a sociedade por meio da troca de conhecimentos, da participação e do contato com as questões complexas contemporâneas presentes no contexto social” (Ministério da Educação – CNE/CES, 2018, p. 2).
O pedagogo e filósofo brasileiro Paulo Freire, ao afirmar que “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” (1978, p. 79), nos estimula constantemente a uma visão crítica da educação, abrindo novos horizontes ao vínculo entre sujeitos, comunidades, contextos locais e mundo e no que diz a respeito da transformação do ambiente no qual se vive, em uma constante relação entre teoria e prática: “os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É a transformação do mundo” (ivi, p. 121).
Estas reflexões nos remetem, também, a dois princípios fundamentais da Andragogia, ou aprendizagem de adultos, (Malcolm e Knowles, 1980) segundo os quais os discentes entendem por que algo é importante para saber ou fazer, valorizando a própria experiência, os próprios conhecimentos, e a mesma aprendizagem é experimental. Em Bondia (2002) a experiência é compreendida como: “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. [...] Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” (p. 21)
A parte prática da disciplina, realiza-se por meio do projeto A relação educativa e de ajuda em contextos extraescolares, reafirmando assim o que Bondía defende na citação acima. Esta ação extensionista específica, se desenvolve conforme a proposta metodológica-pedagógica da Aprendizagem Solidária[3], seguindo as três características programáticas indicadas por Nieves Tapia (2006), tais quais o serviço solidário, o protagonismo dos estudantes e a articulação curricular, e o ciclo apresentado pelo National Youth Leadership Council – NYLC (2005), como mostrado na figura a seguir.
O projeto se realiza em colaboração com instituições públicas e privadas, das comunidades de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, que oferecem serviços a pessoas em condições de risco e vulnerabilidade social e/ou conflito com a lei, tais quais: mulheres em condição de prostituição, crianças vítimas de violências, abusos e maus-tratos, pessoas excepcionais, idosos abandonados, sujeitos em situação de intenso sofrimento psíquico, incluindo problemas decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas, adolescentes em conflito com a lei. A colaboração entre a UNEB, a UNIPD e as outras instituições configura-se, nesse caso, como um processo de diálogo, troca e ensino-aprendizagem mútuos.
A interseção entre o ensino (o curso em questão), a pesquisa (o projeto PNPD CAPES), a extensão (curso e projeto) e a internacionalização (a participação das intercambistas italianas em mobilidade no Brasil) e a contínua alternância entre teoria e prática, universidade e comunidade, aprendizado (vinculado ao currículo) e serviço social na (e com a) comunidade, possibilitam, de fato, “autonomia e protagonismo para que [os discentes] experimentem uma formação acadêmica integral, interdisciplinar e indissociável entre ensino, pesquisa e extensão” (UNEB, 2019, p. 2). Uma questão norteadora, esta última, que remete a mais uma das diretrizes descritas pela Resolução nº 7, de 2018, que sublinha a importância da articulação entre o ensino, a extensão e a pesquisa, ancorada em um processo pedagógico único, interdisciplinar, político educacional, cultural, científico e tecnológico. Como nos faz refletir Freire (1983):
O melhor aluno de filosofia não é o que dissera, ipsis verbis, sôbre a filosofia da mudança em Heraclito; sôbre o problema do Ser em Parmênides; sôbre o “mundo das idéias” em Platão; sôbre a metafísica em Aristóteles; ou mais modernamente, sôbre a “dúvida” cartesiana; a “coisa em si” em Kant; sôbre a dialética do Senhor e do Escravo em Hegel; a alienação em Hegel e em Marx; a “intencionalidade da consciência” em Husserl. O melhor aluno de Filosofia é o que pensa criticamente sôbre todo êste pensar e corre o risco de pensar também. Quanto mais é simples e dócil receptor dos conteúdos com os quais, em nome do saber, é “enchido” por seus professôres, tanto menos pode pensar e apenas repete. (pp. 35-36 )
O viver e experienciar diretamente este processo pedagógico interdisciplinar, permitem, aos discentes e ao docente, de superarem um modelo de educação ou formação fundado em um pensamento simplificante, alcançando uma complexidade que presta conta “[...] das articulações despedaçadas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento”, tendendo a um conhecimento multidimensional, como nos sugere Morin (2003, p. 176-177).
Ao adentrar nestas diferentes dimensões, nota-se mais um aspecto altamente relevante e desafiador da experiência aqui apresentada, que se refere ao processo de ensino-aprendizagem, através do qual a universidade, também, “aprende”, na relação mútua e no diálogo com a comunidade.
No ano de 2017, o primeiro ano de implementação do projeto de pesquisa e intercâmbio Intereurisland no DCH III, UNEB, através do curso de extensão foram realizadas duas experiências-piloto chamadas Seminários didáticos interativos, cujo principal objetivo foi o de aproximar ainda mais a universidade à comunidade. Dois verdadeiros laboratórios sobre as dinâmicas de grupo e a relação educativa, realizados na universidade e na comunidade com a participação das(os) discentes da disciplina, incluindo as intercambistas italianas, educadoras(es) sociais e pessoas acolhidas pelas instituições da comunidade, onde as intercambistas estavam desenvolvendo o próprio estágio (Andrian, 2018). A figura a seguir retrata um momento do seminário desenvolvido em uma sala de aula do prédio do Curso de Pedagogia, do DCH III, com a participação das(os) discentes da disciplina, das intercambistas italianas, de adolescentes em conflito com a lei, acolhidos por uma Organização Não Governamental – ONG, da cidade de Juazeiro-BA, e das(os) educadores sociais da mesma instituição.
No ano de 2019 (semestre 2019.2), a disciplina apresentou uma especificidade única no que diz a respeito à participação das(os) discentes. A turma se constituiu por estudantes dos cursos de graduação em pedagogia e jornalismo, do DCH III, intercambistas italianas(os) da UNIPD e pessoas da comunidade, entre as quais as profissionais que compunham a equipe psicossocial da ONG que oferecia acolhimento e serviços à adolescentes em conflito com a lei na cidade de Juazeiro-BA. ONG na qual, por mais uma temporada, uma das intercambistas italianas e uma estudante do curso de pedagogia do DCH III, UNEB, desenvolveram a parte prática da disciplina.
A riqueza da troca de experiências e de saberes, as reflexões contínuas entre a teoria apresentada na sala de aula e a prática vivenciada no dia a dia de relacionamento com os adolescentes em conflito com a lei (tanto pelas profissionais da ONG como pelas estudantes italiana e brasileira) e o olhar de sujeitos em formação de diferentes países, permitiram alcançar um desenvolvimento de excelência (tanto pelas/os discentes como pelo professor) dos quatro aprendizados, reconhecidos pela UNESCO (Delors, 2003) como os quatro pilares da educação: I) aprender a conhecer; II) aprender a fazer; III) aprender a conviver e IV) aprender a ser. “Nunca tinha vivenciado um nível tão profundo de reflexão sobre a teoria e a prática, de desconstrução e reconstrução de conhecimentos e saberes de forma coletiva, democrática e interativa, como aconteceu ao longo deste curso”[4].
O olhar avaliativo dos participantes nas atividades
Por se tratar de atividades cujo modo de acontecer se faz baseado nos princípios da dialogicidade e da aprendizagem coletiva e solidária dos participantes, acredita-se que, entre as demais reflexões que podem ser feitas, a fala das(os) discentes e do docente do curso encontra o seu lugar privilegiado no que diz respeito à avaliação das experiências vivenciadas, não podendo deixar de trazer agora, alguns dos aspectos avaliados por esses, como a seguir.
As avaliações das(os) discentes da disciplina, desde o primeiro ano de realização da mesma, sempre foram entre ótimo e excelente. No específico, a respeito da avaliação das últimas duas turmas (semestres 2021.2 e 2022.2), utilizou-se um questionário final anônimo, com três perguntas a saber: 1) participar da disciplina Relações interpessoais e dinâmicas de grupo fez/faz sentido na sua trajetória de formação? (com possíveis respostas: SIM - NÃO - NÃO SEI DIZER); 2) se SIM, por quais razões fez/faz sentido? 3) na sua opinião, quais foram os pontos fortes e as criticidades da disciplina?
O questionário acima apresentado se insere nas atividades de avaliação final realizadas no último dia de aula, por meio de uma roda de avaliação e do questionário em epígrafe no formato físico (impresso no papel e entregue no momento da avaliação) ou no formato on-line (Plataforma Google Forms). Além do questionário, a avaliação prevê, através da plataforma Mentimeter, a indicação de: “três palavras para descrever o que essa disciplina significou para você.”[5]
Ao analisar os dados recolhidos nas avaliações finais das últimas duas turmas, uma primeira consideração significativa está relacionada ao fato que a totalidade das/os discentes reconhecem a participação na disciplina como algo que fez ou faz sentido no próprio percurso formativo. O 66% delas/es relata, de forma explícita, que o curso foi útil e significativo para o próprio desenvolvimento profissional e o 55,55% destaca a importância para o desenvolvimento do ponto de vista humano também. Interessante o fato que, deste último grupo, o 60% avalia, sempre de forma explícita, que o desenvolvimento do ponto de vista humano e pessoal foi o mais marcante entre os dois. “Este curso ajudou-me tanto do ponto de vista formativo (profissional), onde aprendi e coloquei em prática novos conhecimentos relativos à comunicação assertiva e à relação com os outros, mas, mais importante para mim, sobretudo do ponto de vista humano” (Discente A., questionário final, turma 2022.2). Também para F., “[...] este ciclo de aulas teve uma importância especial tanto para o meu percurso no Brasil como para o meu percurso acadêmico, mas sobretudo para o meu percurso de vida pessoal” (questionário final, turma 2022.2).
Mais uma reflexão se faz, ao analisar os dados, a respeito do reconhecimento explícito, por parte dos(as) discentes, da importância do vínculo entre a teoria e a prática, entre as propostas teóricas e a práxis do dia a dia, nas relações do quotidiano tanto do ponto de vista pessoal como nos diferentes contextos profissionais: “eu me vi usando o que eu ouvia, as coisas que a gente fazia nas aulas, por exemplo, no meu trabalho e também na convivência com vocês (equipe). Algo acontecia (no dia a dia) e eu pensava: ah, mas isso já foi dito” (Discente V., questionário final, turma 2021.2). Muito interessante a respeito, a observação bastante específica de A., ao relatar que “[...] algumas coisas que fizemos no curso, talvez eu não tenha entendido na hora, mas depois elas voltaram para mim. Por exemplo, quando XXX (colega da equipe) e eu brigamos... tivemos uma aula em que, quero dizer, essa foi a lição que nos fez reconciliar.” (questionário final, turma 2021.2).
Talvez, um dos aspectos reconhecido como altamente significativo, foi o de entender como a disciplina conseguiu proporcionar questionamentos, estimular reflexões críticas, levar discentes e docente para “fora das próprias zonas de conforto”, como bem expressam V. e L. ao escrever que “a disciplina foi mais desafiadora do que pensava. Me ajudou a entender o quanto eu devo crescer [...]”, ou que “essa disciplina despertou em mim muitas perguntas. Ao acabar as aulas eu ficava pensando, refletindo.” Para A. “Foi uma experiência atípica, não normal. Um confronto contínuo, com uma mentalidade curiosa, interessada, crítica. Ao longo do curso, compreendi de fato o que é a aprendizagem solidária”[6].
Nesta breve, e não completa, análise dos dados, considera-se de grande relevância o reconhecer, por parte das/os discentes e do docente, o valor da troca entre os sujeitos participantes, no processo de ensino-aprendizagem mútuo, como bem enfatiza E. ao escrever que: “... só o fato do curso ter sido com pessoas de outro país e de outras áreas, nos ‘Força’ a prestar atenção no outro, tentar compreender e se conectar com o outro”.
A seguir a nuvem de palavras, gerada pela plataforma Mentimeter, apresentando as respostas da turma 2021.2 à questão: indique três palavras para descrever o que essa disciplina significou para Você.
Considerações finais
À guisa de conclusão deste trabalho, destacamos que a experiência com este curso, que toma o seu sentido e significado na vida das pessoas e comunidades participantes, por meio da extensão, é algo que nos permite afirmar que a curricularização da extensão só se fará real quando a universidade e todos os seus segmentos e pares compreenderem que a razão da construção do conhecimento novo, e o ponto de partida para tal é a realidade desafiante dos contextos nos quais esses se encontram inseridos. Sem isso, não há contextualização, não há currículo implicado com o mundo e seus desafios, no cumprimento da promessa de uma universidade que deve existir a favor do combate às assimetrias regionais, buscando soluções aos problemas que afligem os setores sociais, econômicos, culturais, entre outros e a favor da promoção do bem viver como modo de vida inclusivo e solidário.
O grande desafio de uma universidade que aprende, vivenciado neste caso específico, na pessoa do docente da disciplina em questão, e que encontra terreno fértil na extensão e nos processos de curricularização da mesma, precisa, em muitos casos, de um lado, de uma mudança de paradigma a respeito da relação entre a universidade e a comunidade em diversos níveis institucionais (a partir dos órgãos diretivos) e, do outro lado, de recursos humanos, econômicos e de tempo (entre os quais uma carga horária específica), pois sem a conexão com a realidade dos contextos as universidades se perdem no cumprimento do seu papel.
Que possamos a cada dia, enquanto sujeitos que estão na universidade, mas não isolados do mundo, nos desafiarmos a propor projetos e proposições diversas, sempre inovadoras, que funcionem como pontes que unam interna e externamente o seu tripé (Ensino, Pesquisa e Extensão), mas que mantenham sempre um vínculo de inspiração e retorno às comunidades, grupos específicos com os quais se buscou a sua inspiração, pois o conhecimento só cumpre o seu papel se retorna de maneira apropriada, não colonizadora e com uma perspectiva de concertação coletiva dos desafios que nos instigaram a pensar e envidar esforços para solucionar os problemas que afligem a sociedade e os diversos grupos sociais.
Espera-se que esse artigo possa contribuir com o debate, nacional e internacionalmente, a respeito de uma universidade que assuma cada vez mais a sua identificação com a sociedade, o seu sentido de ser pública e popular. É nesta perspectiva que, enquanto profissionais da UNEB, do Grupo de Pesquisa EDUCERE e do programa de intercâmbio Intereurisland, trilhamos as nossas práticas, numa aprendizagem de mão dupla e solidária.
Referências
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Notas
[1] INTERsectoral, ‘Extensão Universitária’, Research, Interculture and Service Learning; Approaching to a New Development (Andrian, 2018b, pag. 85).
[2] Avaliação final da disciplina do semestre 2021.2. Fonte: material do programa Intereurisland.
[3] Service-Learning na língua inglesa e Aprendizaje y Servicio na língua espanhola.
[4] Trecho do relato do docente do curso de Relações interpessoais e dinâmicas de grupo, 2019.2 – grupo focal de avaliação final da disciplina, realizado no último dia de aula.
[5] Parte integrante do breve questionário de avaliação final online – plataforma Mentimeter.
[6] Trechos de relatos das(os) discentes - Grupo focal de avaliação final da disciplina, turma 2021.2, realizado no último dia de aula.
Os autores
Nicola Andrian, bolsista do Programa Nacional de Pós-doutorado (PNPD/CAPES), vinculado ao Programa de Pós-graduação stricto sensu – Mestrado Multidisciplinar em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, docente do curso de extensão – Relações interpessoais e dinâmicas de grupo e coordenador do Grupo de internacionalização do Departamento de Ciências Humanas, Campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenador do programa de pesquisa e intercâmbio Intereurisland.
Edmerson dos Santos Reis, pedagogo, Mestre e Doutor em Educação, Professor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, atuando nos Cursos de Graduação em Pedagogia e de Pós-graduação – Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA, do Departamento de Ciências Humanas – Campus III, em Juazeiro BA. É líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território – EDUCERE.